"Ao comentar sobre esta divindade, poderia-se usar como
referência milhares de artigos publicados na internet ou fora dela. Preferi, no
entanto, narrar a história da maneira que eu escutei aqui e ali, durante esses
anos todos na Índia.
Shiva e Parvati, ambos deuses hindus, viviam muito
felizes em sua união. Shiva começava a ficar impaciente quando estava a muito
tempo num mesmo lugar, ele não gostava de rotina e então parte para uma viagem
espiritual para meditar e elevar seu espírito.
Ele medita tão profundamente que não vê o tempo passar. O que ele não
sabia é que quando partiu, Parvati sentia-se muito só e moldou uma criança da
pasta de sândalo, dando vida ao ser, Ganesha. Há outras versões sobre a origem
de Ganesha também, Shiva teria engravidado Parvati antes de partir para sua
viagem e não sabia. Anos se passam e Parvati cria seu filho Ganesha sozinha,
aguardando o retorno do marido. Quando Shiva retorna procurando por Parvati,
ele encontra um menino, já crescido, na porta de sua casa. Ele pergunta por
Parvati e Ganesha, sem saber que era seu próprio pai que ali estava, entra no
caminho de Shiva impedindo sua passagem. Parvati estava tomando banho e sempre
pedia a Ganesha para vigiar a porta, em caso de algum estranho se aproximar da
casa deles. Naquele momento, Shiva em sua cega ignorância, corta a cabeça do
menino e entra em sua casa gritando por Parvati. Ela alegremente vê o marido e,
logo em seguida, desesparadamente vê o filho morto no chão. Ela conta ao marido
que este era seu filho e que ele perdeu a noção do tempo enquanto meditava.
Shiva rapidamente chega a uma conclusão de que talvez ainda seria possível
salvar o menino se colocassem a cabeça de um outro ser vivo no lugar de sua
cabeça. O primeiro ser vivo que encontraram à vista foi um elefante. Sem perder
tempo, Shiva corta a cabeça do elefante e coloca no corpo de Ganesha, que
ressuscita logo em seguida.
Devido ao milagre conseguido, Ganesha passa a ser um
dos deuses mais prestativos e populares entre os hindus, conhecido
principalmente como sendo o destruidor dos obstáculos. Os seguidores do
hinduísmo acreditam na existência de milhares de deuses, e em cada região da
Índia, em cada casta, em cada família, tem-se afinidade por alguns desses
deuses e não por todos eles. Porém, no caso do deus Ganesha é diferente. Ele é
o único deus que está presente em todos os templos independente da região ou
segmento da religião do hinduísmo que se é seguido. Isso porque acredita-se que
ele deve ser invocado antes de cada puja (prece), pois Ganesha seria também o
que encaminha as preces de todo o mundo para os deuses. Por exemplo, se uma
pessoa quer pedir progresso financeiro à deusa Laxmi, o puja será iniciado com
a invocação de Ganesha, para depois prosseguir com as preces para Laxmi.
Ganesha também é conhecido como o deus da sabedoria e da prosperidade, e é sempre invocado pelos fiéis
no início de um trabalho ou negócio novo assim como antes de uma viagem.
Há templos dedicados à todos os deuses do hinduísmo
pela Índia, mas o que pude notar em todas as cidades, bairros, vilas é que o
templo dedicado exclusivamente ao deus Ganesha está sempre lotado de fiéis
devido às graças alcançadas através de suas preces. Ganesha em sua
representação física é normalmente similar em alguns aspectos simbólicos. Nesta
figura podemos ver Ganesha e o simbolismo dos elementos que o compõem ou o
complementam.
Há também diferentes interpretações sobre os
componentes da figura física de Ganesha. Por exemplo, a tromba também pode
estar ligada à destruição dos obstáculos e o machado, por sua vez, estaria
ligado ao desapego. No caso, ele com seu machado cortaria os laços do passado,
cortaria os maus pensamentos pela raíz. Já a barriga opulente, também pode
representar a habilidade de digerir e separar o bem e o mal sabiamente. Algumas
figuras de Ganesha podem também segurar um tipo de terço, ou corda, o que
representaria a capacidade de ater-se focado em seus bons objetivos. Os doces e
frutas, que ocasionalmente aparecem junto ou nas mãos de Ganesha são conhecidos
na Índia como “Prasad”. Prasad são pequenas porções de alimento, geralmente
doces feitos de grãos, leite e açucar distribuídas no templo, abençoado pelos
deuses, que quando ingerido pelo fiel, o faz lembrar de que deus está presente
dentro dele, através do alimento. Seria como a hóstea ingerida por nós na
igreja católica. Ganesha carrega prasad junto de si para abençoar os fiéis.
Todo ano há um festival religioso dedicado ao Ganesha
na Índia que ocorre entre agosto e setembro, com duração de 10 dias.
Acredita-se que durante esses 10 dias, ele visita o planeta Terra para realizar
os desejos dos fiéis, fazer milagres, trazer alegria, esperança e renovação na
vida das pessoas. Nos templos, casas e nas ruas montam-se tendas com estátuas
de Ganesha onde as pessoas da comunidade local visitam levando oferendas,
rezando e prestando homenagens ao deus.
Crianças da
comunidade visitando a tenda montada na rua para homenagear Ganesha
Após os 10 dias do festival, procissões são realizadas
em todo o país. As estátuas do deus Ganesha que ficaram expostas durante esses
dias nas ruas e casas são levadas de caminhão ou carro pelas ruas, à caminho da
praia, de um rio ou lago, onde serão finalmente mergulhadas na água dando
término aos rituais religiosos deste festival.
Estátua de
Ganesha sendo mergulhada no mar em Mumbai, Índia
Acredita-se que Ganesha deve ser mergulhado na água
para voltar ao paraíso junto de seus pais Shiva e Parvati. Todo ano deve-se
obter uma estátua nova de Ganesha para este festival e guardar esta estátua em
casa pode ser considerado desrespeito com os deuses. Normalmente, acredita-se
que a estátua deve ser feita de um material que possa se dissolver e se misturar com a àgua e o solo, para que
sua partida da Terra seja completada.
A grande maioria dos hindus tem uma pequena estátua de
Ganesha em casa, guardada em um altar onde se faz o puja regularmente em sua
homenagem assim como à outros deuses de que a família pode ser devota. O puja,
em dias comuns, envolve jejum (deve-se rezar antes de comer), a limpeza da casa
e do corpo, oferenda de incenso, água, luz, flores, mas não necessariamente
todos os elementos. Pode-se somente acender um incenso e rezar, o que importa
não é o ritual em si e sim a intensão de sua oração.
Em minha experiência pessoal, Ganesha realmente é o
destruidor dos obstáculos e um incentivador de minha fé. Quando eu estou quase
pensando em desistir de algo, quando estou chateada, lembro-me de minhas
orações e de meus propósitos, lembro-me da figura ou da presença de Ganesha me
pedindo para nunca desistir. Ganesha não aponta defeitos e não julga seus atos,
não lhe considera pecador, culpado, hindu ou católico, mas sim ajuda-nos a
destruir obstáculos e pensamentos negativos, sempre nos mostrando o caminho do
bem. Em uma de minhas viagens à Mumbai, minha sogra me levou no maior templo de
Ganesha daquele estado, simplesmente lindo. Normalmente, templos comuns abrem
de manhã cedo, das 6 às 10 e depois só reabrem à tarde, das 5 às 9:30 da noite.
Este templo é aberto 24 horas e faz fila do lado de fora para entrar, quelquer
seja o horário que você vai. Lá, você pode fazer suas preces, pedidos e
oferendas. Mas o que me chamou a atenção, foi uma fila dentro do templo que nos
direcionava à estátua do ratinho que supostamente seria o veículo do Ganesha.
Lá, minha sogra me ensinou que pessoas vêm de longe para fazer pedidos ao
ratinho, que os levaria diretamente ao deus. Com a mão esquerda, tampa-se a orelha
esquerda do rato e com a mão direita, tampa-se parcialmente a orelha direita do
rato, e você cochicha bem baixinho seus desejos para o ratinho, sem ninguém
ouvir. Sei que a realização de desejos, objetivos, depende muito da
persistência e comprometimento de quem os pede, porém tem algo ligado à fé, tem
algo mais que move o universo para que tudo aconteça. Não sei se o que minha
sogra pediu naquele dia se realizou ou não, mas o que eu pedi, cochichando ao
ratinho, o que parecia impossível de acontecer, aconteceu. Grata à fé que nos
move, e infelizes são aqueles que não acreditam em nada."
Texto de Thais Leite
Reside em Bangalore - Índia desde 2009, casada com um Indiano.
"Estrangeira" que hoje luta pelos direitos de cidadã indiana....e que vai vencer em nome do imenso amor que adquiriu por si, pelo esposo, pela cidade e sua cultura e com o apoio do filho que mora lá com ela.
Boa sorte Amiga....meu amor e respeito.
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Espero que tenham gostado, mês que vem termos mais artigos da Thais ....
Nossa "correspondente"em Bangalore....rs
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Boa quinta!!!!
Renata Neves
Jornada da Imperatriz - Roda dos Sentimentos
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